segunda-feira, 1 de abril de 2013

A árvore

 

Estava esperando meu pai me buscar na escola, eu tinha 14 anos e 8 meses e muitos dias – nesse ano de 78, vivia andando pelos corredores da escola somente para poder ver o objeto da minha paixão adolescente, mesmo que num relance - ele saindo da sala ou indo ao bebedouro, ou ao banheiro, não importava, cada movimento seu era flagrado pelo meu olhar apaixonado.
Então nesse dia que virou história, no fim do último horário, fui para o ponto de encontro, esperar a carona.
Encosto na árvore, me despeço da minha melhor amiga.
Supiro sonhando em vê-lo mais uma última vez hoje.
De repente fico sem ar, perco o chão e as palavras, fico muda de surpresa, ele – meu primeiro amor – está na minha frente, à dez centimetros do meu rosto, apoia sua mão esquerda no tronco, bem perto dos meus cabelos, tocando-os displicentemente. Queria suspirar, mas só consegui suspender a respiração.
Se ele falou alguma coisa eu não ouvi, sua boca se movia muito perto, os sons das suas palavras se enroscaram com meus frenéticos pensamentos.
Lembro nitidamente do seus lábios tocando os meus, do sabor do beijo roubado, depois da sua língua delicada desvendando o céu, as estrelas, os segredos da minha boca. Nas minhas costas a árvore, cumplice, me empurando para o abraço dele – verde -  verde eram seus olhos, seu agasalho, a árvore, minha blusa, e toda essa doce ilusão.
Só de lembrar meu coração volta à mesma taquicardia daquele dia e sinto os aromas no ar.
Essa história não termina aqui, só situa o fato ocorrido vinte anos mais tarde.
Por coincidências do destino, ou não. Fui a morar do outro lado da rua, onde está a árvore do primeiro beijo.
Durante anos passei por ali centenas de vezes sem me lembrar da sua importância para minha história.
Mas em algumas poucas vezes, quando esperava o sinal fechar para atravessar a rua e ir para casa, tocava de leve e delicadamente o tronco, como um carinho, um agradecimento antigo à testemunha da minha felicidade.
Um dia de fim de primavera, sem chuva, ouvi um barulho de serra elétrica, por curiosidade sai para ver o que era - levei um susto - e num impulso corri para a árvore e me abracei com ela, minha amiga e cúmplice.
Estavam cortando árvores doentes ou com alguma praga. Esbravejei, briguei, liguei para o Ibama, os jornais, prefeitura, TV.
Minha árvore do beijo não podia ser cortada.
Não apareceu muita gente, pra falar a verdade só um amigo jornalista que contei minha ligação afetiva com a árvore e um fiscal do Ibama, que para minha sorte e da árvore, descobriu que não tinham autorização para o corte da mesma.
A operação foi suspensa e eu me comprometi a eliminar a praga da árvore e cuidar dela até que ficasse saudável de novo. E foi o que aconteceu por 4 anos.
Mudei de cidade, de estado, mais de dez anos se passaram e outro dia estive mesma esquina e ela estava lá, alta, forte, grande, sobreviveu ao crescimento desordenado da cidade, à mudanças de trânsito, ao caos da poluição - ela, a minha árvore do primeiro beijo, ainda está lá como a testemunha viva e eterna do meu primeiro beijo roubado.

Um comentário:

Renato Domingues disse...

Fantástica história, minha amiga, ai dentro descansa uma grande alma romântica!