“O solo eriçou-se de montanhas denteadas, de “dedos de Deus”, e picos sem vegetação, de pães de açúcar; descobri uma baia semeada de inúmeras ilhotas e tão vasta que meu olhar não conseguia abarcá-la por completo. Rio. A beleza de Copacabana é tão simples, que nos cartões postais não a percebemos: foi preciso algum tempo para que ela penetrasse em mim. Abria minha janela no sexto andar; entrava no meu quarto um vapor quente, com um fresco odor de iodo e sal, e o marulho das grandes ondas. A linha dos altos edifícios abraça, em seis quilometros de extensão, a curva doce da vasta praia onde morre o oceano; no meio, uma avenida rigorosamente lisa: nada atrapalha o encontro das fachadas verticais com a areia plana; o despojamento da arquitetura harmoniza-se com a nudez do solo e da água. Uma única mancha de cor, na brancura da praia: pipas de aluguel, vermelhas e amarelas, com manchas pretas. Era inverno, e só se percebiam raras silhuetas, paradas ou em movimento, entre a calçada e o mar. De manhã cedo passam as empregadas do bairro; depois, por volta das 8h, as pessoas que trabalham durante o dia; e finalmente os ociosos e as crianças. Poucos tomam banho: as ondas são fortes demais; há enseadas e praias mais protegidas em outros lugares; em Copacabana as pessoas molham os pés, estendem-se ao sol e jogam futebol. Era difícil pensar que essa solidão indolente, que o esplendor bruto do oceano e dos rochedos pertenciam a uma grande cidade compacta e febril. À noite, uma bruma com cheiro de estufa peneirava as luzes dos edifícios e o neon dos cartazes: e nada mais no mundo se poderia desejar, além dessa cintilação e dessa fresca umidade.
O bairro morre junto a uma rocha cortada por algumas ruas, mas que geralmente se atravessa por túneis. Por toda a cidade do Rio há morros e pedras que interceptam suas ruas, e que são atravessados subterraneamente por avenidas. Esses monte são cobertos de vegetação, e a floresta invade a cidade, sitiada também pelo oceano: nenhuma outra grande cidade pertence tão integralmente à natureza. Um passeio de carro pelo Rio, é uma sequência de escaladas e de curvas, de quedas imprevistas, de descidas íngrimes, com bruscas e magníficas descobertas sobres os rochedos da costa, com seu colar de praias…”
Texto do livro A força das coisas / Simone de Beauvoir em sua visita ao Brasil em 1960
Um comentário:
E ela está mais do que certa e olha que quem reconhece isso é um paulistano que foi seduzido pelas curvas suaves da Cidade Maravilhosa.
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