quinta-feira, 9 de junho de 2011

Carta para Minha Mulher

 

Quero morrer antes de você.
Você acha que aquele que vai depois
encontra o que foi primeiro?
Eu acho que não.
O melhor seria me cremar
e me colocar num vaso
sobre o aparador de sua lareira.
E garanta que o vaso
seja cristalino,
assim você pode me ver lá dentro…
pode ver meu sacrifício:
desisti de ser terra,
desisti de ser uma flor,
para ficar somente junto a você.
E eu me tornei pó
para viver contigo.
Assim, quando você morrer,
você pode entrar aqui no meu vaso
e então viveremos juntos,
suas cinzas com as minhas,
até que uma noiva tonta
ou um neto rebelde
nos jogue fora…
Mas
a essa altura
já estaremos
de tal forma
misturados
que mesmo vertidos nossos átomos
cairão lado a lado.
Mergulharemos na terra juntos.
E se um dia uma flor selvagem
encontrar água e brotar desse pedaço de terra,
sua haste terá
por certo dois botões:
um será você,
o outro, eu.

Não é que eu
esteja para morrer.
Quero criar ainda outro filho.
Estou cheio de vida.
Meu sangue é quente.
Viverei ainda muito, muito tempo -
ao teu lado.
A morte não me mete medo,
apenas não consigo sentir especial atração pelos preparativos
de nosso funeral.
Mas tudo isso pode mudar
antes que eu esteja morto.
Alguma chance de que você saia logo da prisão?
Algo dentro de mim me diz:
talvez.

Nazim Hikmet

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